Uma história comum no Brasil: uma empresa varejista é autuada pela Receita Federal por ter tomado créditos de PIS e Cofins, recebendo uma multa milionária. A empresa, claro, recorre. Aí vem uma história rara: dois anos após essa autuação, o órgão de primeira instância da Receita Federal decide que despesas essenciais permitem créditos de PIS e Cofins. E o mais incrível: cancela a autuação sobre despesas de publicidade e propaganda.
O novo entendimento da Receita destaca que, em um segmento tão competitivo como o varejista, o investimento em propaganda é essencial para o sucesso da atividade. E toda iniciativa imprescindível para o desenvolvimento de uma atividade econômica está apta a gerar créditos de PIS e Cofins. A publicidade brasileira não é apenas conhecida mundialmente por sua qualidade; tem um potencial transformador. Segundo estudo feito com metodologia da consultoria Deloitte, a cada real investido em publicidade, são gerados mais de 10 reais no PIB brasileiro.
O PIS e a Cofins são contribuições para a seguridade social, previstas na Constituição Federal, que passaram a incidir sobre todo o faturamento das pessoas jurídicas. O que era para ser uma contribuição pequena, do tipo que não atrapalha o bolso do empresário, transformou-se no principal instrumento do governo federal para incrementar sua arrecadação (sem dividir com os estados). A maior crítica era a de serem contribuições cumulativas, de incidirem sobre toda a cadeia produtiva repetidamente, em cascata, criando grave distorção.
Quando, em 2003, as alíquotas mais que dobraram, o governo tornou as contribuições não cumulativas. Logo, elas incidiriam uma única vez, permitindo que os empresários descontassem o valor pago anteriormente, tal como o ICMS, mas com um pequeno detalhe: enquanto o PIS e a Cofins, ao contrário do ICMS e do IPI, incidem sobre todas as receitas da empresa, os créditos são restritos aos produtos considerados insumos, ou seja,na prática, limitam-se à matéria-prima, sem chance de discussão no caso concreto. Para a Receita, a lei é taxativa.
Decisão corajosa do STJ em 2006 (REsp 1.221.170-PR), em sede de recurso repetitivo (cujo entendimento é aplicável a todas as causas similares), reverteu a questão. Citando filósofos, o ministro relator NapoleãoNunes Maia Filho mostra, de forma quase poética, que, afinal, se o PIS-Cofins incide sobre o faturamento, então o crédito somente pode decorrer das despesas. Em suas palavras, “conclusão de clareza tão ofuscante ou brilhante como a do sol nordestino”. Para o ministro, a regulamentação restritiva pela Receita Federal é normal “quando se confere ao credor o condão de arbitrar quanto o devedor lhe pagará”. Assim, conclui que o critério para a tomada de créditos é o da essencialidade. Se uma despesa é essencial para a atividade da empresa, permite o direito a crédito. Se a despesa, uma vez retirada, inviabiliza o resultado, permite o direito a crédito.
Decisão recente da Delegacia da Receita Federal de Julgamento (Processo 10540.721182/2016-78) muda todo o cenário para o varejista. Não só adota o conceito de essencialidade, como também determina expressamente que as despesas de propaganda e publicidade dão direito a crédito. A decisão, que animou o mercado, foi tomada no caso concreto, apenas para o contribuinte autuado (Ricardo Eletro). Portanto, o varejista que efetuar o crédito das despesas de propaganda ainda corre o risco de receber a visita da Receita Federal e ser autuado, podendotentar reverter em recurso, mas agora com chance real de vitória, o que muda o cenário sensivelmente.
Todo empresário sabe de cor quais despesas são essenciais para sua atividade, aquelas “imexíveis”, que não podem ser retiradas sem impacto direto no resultado. A primeira que vem à cabeça do varejista são as de propaganda e publicidade.
Com essa decisão, abre-se a possibilidade, para os varejistas que forem tributados pelo lucro real, de levantar os valores pagos empublicidade e propaganda e lançá-los como créditos de PIS e Cofins. Na prática, isso reduz 9,25% dessa despesa diretamente da apuração dos tributos. E ainda mais importante: estabelece claramente que publicidade é uma atividade essencial, capaz de transformar muitas outras atividades e a economia do país.
Pedro Marrey Sanchez, advogado tributarista, inscrito na OAB/SP sob nº 168.767.
Mario D’Andrea, presidente da Associação Brasileira das Agências de Publicidade (ABAP).
Notícia transcrita do jornal Correio Braziliense em 09 de agosto de 2019, Opinião, Pág 15.