*Por Ricardo Poli
Após uma série de sugestões de pauta sobre assuntos alheios ao universo de consumo pessoal deste autor, uma aluna decidiu enviar uma inspiração saborosa, ainda que amarga. Nada é perfeito nesse mundo. E se existe um produto que consegue ornar essas duas características e ainda gerar um resultado muito prazeroso, é a cerveja. Difícil imaginar outra alquimia em que tal combinação seja tão perfeita.
Isso posto, o contexto sugerido para essa elucubração estratégica analítica gira em torno do fato da recém decisão da AMBEV em priorizar esforços de marketing para duas de suas marcas premium em detrimento ao baixo desempenho mercadológico da BECK´s. CORONA e SPATEN agora são a bola da vez.
Tal contexto não se configura com uma novidade, bem como as razões envolvidas na referida “re-priorização” de portfólio. O mesmo aconteceu por volta de 2012, sendo também o fato gerador de uma matéria de uma famosa revista de negócios e de uma prova desafiadora desse velho professor de marketing rabugento. Na época, a reportagem destacava o excelente desempenho da BUDWEISER, outra marca dita como premium da AMBEV, frente a HEINEKEN, cuja operação própria no Brasil iniciara dois anos antes. Naquele ano, segundo a revista, BUDWEISER conseguiu crescer rapidamente no “segmento premium” e alcançar a líder HEINEKEN em termos de participação de mercado, 11,5% contra 12,3%.
Junto com a “BUD” estava sua irmã STELLA ARTOIS, a coadjuvante na briga contra a marca holandesa. Naquele momento, considerando o consumo total da categoria de cerveja no país, juntas possuíam cerca de 0,6% de participação de mercado, contra 0,5% da cerveja de garrafa verde. Certamente, muita coisa mudou desde então, visto que o Grupo HEINEKEN estava iniciando sua operação própria em território nacional e a AMBEV estava ampliando vorazmente suas aquisições de fabricantes e marcas de cerveja pelo mundo.
Fato comprobatório desse fenômeno reside na origem das marcas citadas até aqui. CORONA, a cerveja de Dom Toretto em “Velozes e Furiosos”, é mexicana. SPATEN e BECK´s são alemãs. Vale destacar o feito da AMBEV em tornar a SPATEN mais vendida aqui do que em seu país de origem, e a CORONA ser a marca com a maior taxa de crescimento de seu portfólio neste ano.
Em tempo: HEINEKEN passou a ser a cerveja oficial de James Bond, sendo a BUDWEISER a preferida de Maverick nas duas versões de “Top Gun”. Pelo visto, não existe herói sem cerveja em Hollywood.
Trata-se de um contexto instigante, onde o alvo principal da AMBEV permaneceu o mesmo desde 2012, mas sua linha de frente mudou algumas vezes. Como é sabido na arte da guerra, só se muda a linha de frente quando se está perdendo a batalha. Mas quando se trata de um portfólio com mais de 30 marcas, tal mudança chega a ser natural. O batalhão da HEINEKEN, com cerca de 20 marcas, é bem menor. Todavia, mais forte em alguns pontos de batalha que dificilmente serão perdidos.
Para quem gosta de um bom embate mercadológico, é prudente ficar atento aos próximos capítulos dessa batalha que, pelo visto, nunca vai acabar. Na verdade, trata-se de uma “guerra estratégica” e não somente de uma “batalha de produtos”, ou de seus atributos relacionados à pureza de malte ou IBU´s (International Bitterness Unit), a medida da quantidade de amargor em uma bebida. A título de curiosidade, o IBU da CORONA é 18, o da HEINEKEN é 19 e o da BECK´s é 20. Quanto maior o valor, mais amarga será a cerveja. Vale lembrar que, como em toda grande guerra, existem aspectos estratégicos que nunca serão permitidos para realização de uma análise mais real e profunda.
Por fim, vale destacar que no “front de baixo” dessa guerra, tanto AMBEV quanto HEINEKEN vêm perdendo seguidas batalhas para o Grupo PETRÓPOLIS, fabricante da ITAIPAVA. O Brasil é o terceiro maior consumidor de cerveja do mundo, em volume. O estado de São Paulo, por consequência, é o maior consumidor da categoria no país. Quando se leva em consideração o consumo per capita, ficamos em 25º lugar, com um índice anual de 69,3 litros por habitante.
E não pense você, acidental leitor ou leitora de temas como esse, que uma determinada subcategoria de cerveja está obrigatoriamente indexada, em função de seu preço correspondente, a uma determinada classe econômica. Rótulos de cerveja estão associados muito mais a ocasiões de consumo. Em outras palavras, um mesmo consumidor dessa bebida amarga pode ser usuário da sub-categoria “popular” quando vai ao estádio ver seu time de coração jogar. Ou um usuário de um rótulo premium quando faz um churrasco em casa para receber os amados amigos.
Quando se ousa analisar uma determinada situação de demanda de forma sensata, é prudente ter a predisposição de considerar a máxima do “cada caso é um caso”, sem a tentação de, a partir disso, estabelecer generalizações. É um caminho muito mais trabalhoso, demorado e amargo. Por outro lado, o resultado é sempre muito saboroso.
(*) Ricardo Poli é mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP e professor de Marketing da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT)