Brasília, 11 de Dezembro de 2024 - 13:42

O DIA EM QUE DEI ASAS À MINHA IMAGINAÇÃO

*Por Humberto Junqueira

Quando eu tinha 23 anos, lá no distante 1988, já era publicitário formado pela UnB e aficionado por quadrinhos. Na faculdade, cheguei até a estudar essa arte, o que, confesso, ajudou de muito na carreira de criativo, redator e diretor de criação nas diversas agências por onde passei.

Sempre me encantei com a capacidade de uma tira de quadrinhos para contar uma história, passar uma emoção, um sentimento de modo tão sintético. Em poucos quadros, unindo texto e desenho, você ri, critica, chora, opina.

Lembro-me de acompanhar muitas tiras nas páginas impressas do Correio Braziliense, como Calvin e Haroldo, Rê Bordosa, Mafalda, entre tantos outros incríveis personagens que acredito, até hoje, divertem e fazem muito sentido. Era sempre a primeira página do jornal que eu abria!

A formação em publicidade, a mágica dos quadrinhos e o mais forte de todos, minha paixão por Brasília, cidade que me recebeu com toda a família quando eu tinha 14 anos, chegando de Anápolis (GO), foram os ingredientes que, misturados, me fizeram criar um personagem daqui, uma tira genuinamente brasiliense.

Imaginei, então, um passarinho meio tímido, que fez seu ninho em cima de um prédio qualquer — por acaso, o Congresso Nacional.
Lá de cima, ele observava tudo à sua volta: nossos hábitos, a cultura, a política e o dia a dia de quem vive aqui.

Sentei diante de minha prancheta e as ideias explodiram na cabeça. De uma só vez, escrevi e desenhei um monte de tiras.

Essas primeiras tiras ficaram guardadas em uma gaveta, até que um dia, uma prima jornalista, a Giuliana Morrone, viu aquilo e me perguntou por que eu não publicava.

Ela, então, pediu para um editor do Correio Braziliense me receber, ver o material e dar sua opinião.

Foi assim que, aos 23 anos, me vi sentado diante da mesa do querido Paulo Pestana, mais tímido do que o próprio personagem que criei.

O Paulo pegou as folhas de papel com aquelas tiras desenhadas a nanquim e começou a ler. Leu uma, duas, continuou a ler, abrindo um largo sorriso. Quando finalmente ele leu a última, virouse para mim e, com uma naturalidade que jamais esqueci, perguntou se eu queria publicar no jornal.

Imagina o susto que levei! Um garoto publicitário em começo de carreira, desenhando apenas para externar suas ideias, sendo convidado para estar ao lado dos seus ídolos, justamente na maravilhosa página dos quadrinhos…

O Paulo também foi o primeiro, de alguns, a me dizer que eu estava criando uma tira de quadrinhos fora do eixo Rio-São Paulo, diretamente do meio do Cerrado. Ele, então, em uma sacada genial me perguntou:

— Seu personagem já tem um nome?

Claro que não tinha e, diante da negativa, ele sugeriu:

— Que tal Eixinho, o Monumental?

Nesse dia, nasceu a primeira tira de quadrinhos, desculpe o trocadilho, aqui do nosso quadradinho. O Eixinho voou pela cidade, pousou nas páginas do Correio Braziliense por quase 10 anos, dividindo emoções, contando histórias que faziam muito sentido para todos nós que amamos Brasília.

Hoje já não consigo mais desenhar, perdi quase toda minha visão e guardo na memória minhas tiras e sua profunda relação com nosso Distrito Federal.

Imagino que o Paulo Pestana, genial, simples e direto, que nos deixou este ano, provavelmente deve estar voando ao lado do Eixinho, trocando ideias e comentando, lá de cima, tudo que acontece por aqui.

Humberto Junqueira é publicitário e cartunista.

Transcrito do jornal Correio Braziliense edição de domingo, 18 de agosto de 2024.

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